quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

À procura do tempo fodido



Humilhação pré-puberdade

Eu devia ter á volta de oito anos. Andava em folias com o resto dos miúdos no pátio da escola. Estávamos a jogar ás escondidas. Procurei esconder-me atrás duma porta que dava acesso a uma casa de banho decrépita que na altura se encontrava em obras. Infelizmente não fui o único a procurar refúgio na recatada cagadeira que ficava por detrás da porta meia coberta por uma bela buganvília. Pedro, o Bucha, um rapaz com problemas de peso tinha escolhido esconder-se lá tal como eu. As carnes fartas do Bucha em plena correria empurraram a porta e fizeram-me aterrar na sanita onde fiquei preso. O Bucha ao reparar que eu e a retrete éramos agora uma unidade correu por ajuda. Por esta altura, enterrado na cerâmica comecei a vislumbrar os olhinhos dos outros miúdos como penas de pavão incrustadas na ramagem da buganvília. Estavam entre o riso e a surpresa num ambiente de pré-galhofa generalizada. Veio uma freira que me passou uma mão pela cabeça e passado um bocado voltou com um brutamontes que desfez com um maço o enlace carne-loiça. Encaixei dois cortes no cu e um ódio aturdido pelo Bucha. No entanto se posso apontar o pináculo da humilhação foi passar, meio a mancar pela turba ululante com as calças ensanguentadas e restos de merda que datavam de antes das obras. Enquanto carregava o meu pequeno e fétido corpo pelo pátio compreendi, e lembro-me disso distintamente, compreendi que teria sido muito pior se tivesse caído de queixo ou enfiado lá a cabeça. Outros teriam provavelmente tirado ilações sobre o universo. Eu não, eu estava só na merda.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A Ilha dos Corações Partidos - A Outra Parte

Tinha ficado três dias e três noites sentada junto às marés. recebia a água na ponta dos dedos dos pés como alimento. Sempre fora persistente, e também esquiva às tarefas diárias impostas pelos ilhéus. Recebia a água e vertia os olhos na imensidão, certa de que o momento estava para chegar. Na sua curta vida aquela era a única praia que conhecia, tinha nascido ali, guardava no peito a herança de todos os ilhéu, um coração que mal brotara, já de si vinha despedaçado. Suspirava junto às árvores, e sonhava... como sonhava!... Sempre o mesmo e colorido sonho, a de um homem só com um olho, de mãos macias e rosto encovado, que por entre os rochedos, por entre as águas e por entre a multidão chegava finalmente à ilha para colar todos os pedaços da sua herança despedaçada.
Ao fim dos três dias, avista ao longe a multidão que se agita. Surgira da bruma o rosto mais belo que alguma vez vira. Ao fim de algum tempo, o rosto e o seu corpo de homem afastam-se da multidão, caminhando para ela. O seu coração fragmentado sentiu-se a tremer, e as suas pernas receberam ordem de despejo. Correu a esconder-se no mato. Deixou que os olhos não perdessem a figura de vista, bebeu-lhe o corpo, bebeu-lhe o passo, bebeu-lhe o olho, aquele único e grande, que os seus sonhos lhe tinham mostrado entre bocejos e suspiros.
Ali se deixou, tremendo e chorando por esse sonho acontecido.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A Ilha dos corações partidos III

A maré começou a vazar retirando o manto marinho ao homem no cimo da rocha. O zarolho ziguezagueou fausto de exausto e os locais apressaram-se a trazê-lo para a caverna. Era um grande buraco na rocha na linha da praia com a selva que lhes dava abrigo. Trouxeram-no para cima de uma fogueira e deram-lhe porco com ananás numa folha de árvore. Depois do repasto houve muita galhofa e até algum despudor quando os locais, numa brincadeira de crianças grandes, tentavam acertar sucessivamente com puré de raízes no buraco onde havia habitado o olho do zarolho. No fim o visitante e o que parecia ser o líder da comunidade, um velhote, deslocaram-se para aliviarem a tripa e segundo o velho para fortalecer a terra das ilhas.
- Cagamos sempre aqui. Cada um tem a sua área e assim ajuda-se o lustroso solo. O zarolho acenou. Depois voltaram. Na caverna já todos tinham adormecido, mas o zarolho e o velho continuaram a conversar.
- As portas para o lado de lá fecharam-se. Não há mais ninguém. – Confessou o homem ao velho sem ponta de emoção.
- Bem, então precisas de um sítio para te instalares. Escolhe um pedaço da caverna e depois veremos para que tens jeito.
- Não pretendo ficar. Quero seguir pela selva até ao Pico dos Três Vértices e encontrar as mulheres do Milho Estoirado.
- As mulheres do alto não gostam de companhia – Retorquiu o velho.
- Nem eu. Procuro só uma delas. Sonhei com ela quando estava no outro lado. Tem uma carinha linda e olhos grandes e azuis. Além disso pula e dança. Eu chamo-lhe Cintilante Luz Que Brilha Sem Cessar Na Única Pupila do Meu Olhar.
- É um nome um bocado grande – Disse o velho, jocoso.
- É uma grande mulher – Retorquiu o zarolho.
- E se ela não sonhou contigo? – Perguntou o velho.
- Bem, nesse caso volto para junto de vocês e mais dia, menos dia quando a maré estiver cheia deito-me na rocha em vez de me sentar.
A fogueira estava a apagar-se e o ancião levou o visitante a um recanto de pedra e convidou-o a repousar. O zarolho fechou o olho e adormeceu. O velhote esgueirou-se para o seu canto da caverna e fez vibrar uma rabeca enquanto entoava uma frase vezes sem conta.

sábado, 22 de novembro de 2008

Theme song to Fantasy Island

este sonzinho fica aqui até eu decidir o que fazer ao zarolho (lol). Redonda obrigado pelas tuas palavras e quando quiseres reentrar fá-lo.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A Ilha dos corações partidos II

A multidão vislumbrou a figura que emergia da bruma pouco antes de o abraçar. Estava coberto de cal branco, o que parecia ser sangue seco e areia. Tinha ornamentações escarificadas na face. Um olho negro como o carvão contrastava com a caverna de cicatrizes onde o outro olho luzia por estar ausente.
Depois dos cumprimentos e abraços o zarolho afastou-se da multidão. Passeou pela orla da praia e foi-se sentar numa rocha a olhar para o mar. O sol já não se aguentava, estava a ser empurrado para o fundo. Entardecia e a multidão foi à sua vida. O homem levantou-se e deu um mergulho no mar, aproveitando para urinar em recato. Depois de jantarem os ilhéus vieram para perto do zarolho que continuava pesado como uma estátua em cima da pedra. A maré estava a subir, sentaram-se numa fila paralela às últimas areias lodosas. À medida que a maré subia a figura do zarolho ficava mais tapada e bastante mais lúdica para os locais que nunca tinham visto nada assim.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

A ilha dos corações partidos

Há muitos anos atrás, quando a natureza confiava no homem e facilmente lhe oferecia abrigo e comida, todos apenas se ocupavam na tarefa de ser felizes. Alguns seguiam os seus próprios prazeres, outros resolviam apaixonar-se e viver em função de um outro que podia ser o mesmo ou variar simultânea ou sucessivamente. Havia no entanto uns poucos que afirmavam ter o coração despedaçado. Numa languidez e melancolia pecaminosa ou numa intranquilidade nervosa aborreciam os demais que não os compreendiam. Não percebiam porque não seguiam o seu exemplo e ao invés criavam problemas que não existiam. Foi então resolvido que esses poucos deveriam ser exilados numa ilha que não ficava longe, mas cujo acesso difícil era somente possível em alguns dias do ano, quando o vento acalmava e a maré subia, permitindo que os pequenos barcos que lá tentavam ir, não se despedaçassem nos rochedos. Dito e feito, mal era observado o problema e depois de deixarem passar uns poucos dias para terem a certeza que estava em causa o mal condenado e não uma dor de barriga, eram remetidos para a ilha, sem apelo nem agravo. Esta até então desabitada passou a ser conhecida pela Ilha dos corações partidos. Enquanto as condições não o permitiam, eram os futuros exilados confinados num campo limitado para o seu mal não se propagar ou contagiar qualquer incauto. Ora, não obstante todos os cuidados, o número de afectados aumentava de dia para dia e alguns até pareciam ansiar pela condenação ao exílio. Entre os imunes estavam os mais velhos, mais avisados e experientes. Até que um dia repararam que entre eles já não cresciam crianças. Temeram então o pior e julgaram-se os últimos homens da terra porque os da ilha apenas poderiam ter morrido de inanição. Quando apenas restava um, meio enlouquecido pela solidão, resolveu ir até à Ilha para aí se encontrar com a sua morte. Esperou pelo vento e maré propícios e com dificuldade contornou os rochedos. Eis que quando se aproximava julgou ser vítima de uma alucinação porque ouvia risos. Quando finalmente chegou à praia foi rodeado por crianças, jovens, velhos, homens e mulheres, aparentemente nem infelizes ou felizes, contudo vivos.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Bastos caracóis e o casulo Ulissiponense



Ah, caralho! Devia ter pedido um t6 agora estou aqui na província e não posso ir ás tascas com homens a sério comer caracóis e pipis a sério. Sinto-me como um cão velhadas entre flores de funerária. As saudades que eu já tinha da minha neo-realista casinha. O meu retiro de guerreiro arrematado pela soberba doutros homens que não eu. Oh, piedosa deusa da igualdade guia-me pelas barricadas do obscurantismo e dá-me uma morada com vista para o Tagus e uma tagus para a mão. E tremoços a sério com cafés com mesas a sério. Aqui na província tudo é a brincar e eu estou velho para folguedos. Quero é caracóis, que tal como eu carregam o fardo duma casa ás costas. Sim, quero caracóis verdadeiros daqueles bem anafados. Quero caracóis que têm como eu que ter um telhado para a sua carne.
Sim, sou eu: Bastos, o locatário

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Herberto Elder é Gimli (parte I)






Herberto Elder, o génio mórmon, acaba de publicar a faca não corta o logro. O genial e obscuro bardo terá na verdade feito parte do elenco do Senhor dos Anéis durante o qual foi cortando filete após filete depois de alcatra mais alcatra e até algum lombo para perfazer os poemas encarniçados da excelsa obra prima a faca não corta o logro. No deslumbrante cenário da Nova Zelândia Elder terá vislumbrado os cumes da apneia e obrado este glorioso conjunto de palavras enquanto dizia umas linhas no cenário do épico. O seu próximo divino volume de imagens e mono mania terá como título Um anão para a Eternidade.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Encontrei um texto muito especial sobre missões e sobre podermos ajudar como padrinhos (ou madrinhas) no blog de A Senhora Sócrates, aqui.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Bater no Ceguinho



A ilha de Lanzarote foi invadida por uma turba de ceguinhos. Stevie Wonder o Mr-T do A-team (que tem uma tia velhota amblíope), e milhares de cegos anónimos povoam os hotéis da pacifica ilha com toques de bengala e o ocasional poio de cão –guia. Alguns correctores cegos de Wall Street fizeram um protesto performance atirando notas de monopólio. Tudo devido á estreia do filme “Cegueira do Velhão”. Na opinião de algumas organizações de cegos americanas o filme transforma os cegos numa multidão de cegos velhacos que invadem o planeta de forma muito suculenta. Saramago que se encontra graças a Deus já recuperado duma maleita revelou-se pouco incomodado tendo dito á imprensa espanhola que Pilar del Rio teve um sonho com Jorge Luís Borges a cozinhar uma sobremesa de avelã com manga e onde o mesmo dissertou sobre bolinhas de pão e pescada cozida. Segundo Pilar isto quer dizer que tudo isto é passageiro tudo isto é fado ou na pior das hipóteses zarzuela. Saramago disse ainda que pode haver cegos estúpidos o que aqueceu os ânimos. É verdade que o argumento de peso de Saramago é de que os cegos não viram o filme. Mas o que se perfila perante os atónitos cidadãos de Lanzarote é um cerco bem ao jeito do de Lisboa tão sabiamente recordado em literatura pelo Novela da literatura. E não é piada está convocada na Catalunha uma manifestação de cegos na zona das loiças do corte inglês onde se lerão poemas pró-cegueira. As últimas noticias dizem que os Blind Boys of Alabama acabam de comprar casa ao lado da mansão do prémio Novela. Cegos do mundo uni-vos não ides ver este filme. Abaixo a alegoria!


Zé Carlos Bordalesa, invisual, enviado do Tanagrasa a Lanzarote

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

História original - Capítulo I

Queria tanto ser inédito que nunca o conseguia ser. Perdia tempos infindos a tentar criar histórias novas para se ver ultrapassado em todas as ideias. Chegava quase a parecer-lhe que um espírito maligno adivinhava o que pensava e distribuía as suas conclusões por autores voluntários. Até que um dia começou a cozinhar algo verdadeiramente novo. Para o manter absolutamente secreto permitia apenas à sua mente que o aflorasse como uma sombra. Mais do que o saber, pressentia-o. Persistia todavia o problema: como fazer para concretizar a sua criação?

(continua...)

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Arsénio Villa- Patas



A espantosa velocidade da chita sobre o corpo não é a rapidez da lã. Assim como a quieta placidez duma flor não pode ser comparada a umas boas costoletas na brasa. Toda esta textura de texto serve que fim?
Nenhum. É literatura semi-automática. E porque provoca vários sentimentos sobre a chita esse tecido-animal que corre sobre os corpos e os abafa. Alguma vez comeu uma costoleta na brasa enquanto olhava para uma flor a crescer?


Boa Mesa Bom Cagar, Arsénio Villa-Patas


A escatologia não é a melhor das qualidades de Villa –Patas embora com este livro de 1997, o supracitado Boa Mesa Bom Cagar tenha surpreendido parte da comunidade gastronómica e parte da literária. Entre nós é publicado pela Lontra Rechonchuda.

domingo, 14 de setembro de 2008

best sale girl ever


Madonna é uma excelente estratega. Tudo o resto são artifícios de arte eficaz (sou um fã da arte eficaz). Ela dança e canta e provoca. Isso não é Madonna, mas a encarnação da América no mundo. A Madonna sem ter um plano mestre tinha um plano com variações como qualquer bom estratega. Vendeu a América ao mundo pelo preço que quis. O que é excelente vindo duma rapariga pobre dos subúrbios. Será que ela teve algum Magalhães?

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A múmia fala



Cara putriforme
Corpo ressequido
Simbiose de carpa com lampreia
Descende de burocratas
De fronha feia.

Sou ignóbil, seja!
Tenho um fraco por velhotas
Deixa-me da cereja
Tirar-te as catotas.

sábado, 6 de setembro de 2008

Levantado

Tenho apresentado uma certa predilecção por escritores suicidas. Não os procuro, acontece de os ler e de me agradarem, pelo que repito visitas aos seus escritos.
Séneca viveu nos primeiros anos depois de cristo, tendo-se suicidado em 65. Cartas a Lucílio é a sua obra mais conhecida. Foi concluída já na última fase da sua vida, tornando-a ainda mais interessante. É um tratado de reflexão ética e moral e um normativo teórico comportamental que reflecte o seu pensamento . Na carta 13, Séneca elogia a resiliência de Lucílio:

"Um atleta que nunca foi ferido é incapaz de afrontar o combate de ânimo alto. Só aquele que viu correr o próprio sangue, que sentiu os dentes rangerem sob os golpes, que, lançado por terra, suportou sobre o corpo o peso do adversário sem, embora abatido, nunca deixar abater o ânimo, só aquele que se ergue com mais energia de cada vez que é derrubado pode descer à arena com esperança de vencer."

domingo, 31 de agosto de 2008

Novo atelier de escrita

Já começaram as inscrições!

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Um Desafio

Caros colegas

Tendo terminado o nosso atelier de escrita tenho um desafio para lhes propor.

Estou a coordenar a 1ª Edição de uma Publicação de Reflexão Cultural, de nome SUB-TEXTO.
Esta publicação já teve uma Edição em 2007, comemorativa dos 10 anos da Associação Varazim Teatro, a qual faço parte e sou fundadora.

O tema central desta Edição é: Teatro porquê? para quê? e para quem? e também haverá um destaque ao Festival E-qui-in-ócio que decorrerá em Setembro na Póvoa de Varzim.

Apesar de não ter pensado inicialmente neste desafio, penso que há muito talento entre os colegas, e porque não, uma vez que tenho na mão a possibilidade, dar uma oportunidade de publicação.

O meu desafio é o seguinte (para os que o quiserem aceitar, é claro):

Enviem-me textos curtos que achem que possam ser representados em Palco. Monólogos, Peças. Ou textos, dramáticos ou poéticos que já tenham pensado que pudessem ter uma outra dimensão: a da representação.

Dependendo do tamanho seleccionarei o máximo de textos possíveis para publicar. Pelo menos 3 garanto a publicação, sendo que estes devem ter duas páginas mais ou menos (máximo).

A Edição terá 1000 exemplares e será distribuída principalmente em locais relacionados com a prática teatral e também algumas papelarias do país.

Se quiserem colaborar penso que é um desafio e uma oportunidade.

Enviem-me as vossas propostas para: fazedoresdemundos@gmail.com ou sub-texto@varazimteatro.org

Existe também o lançamento do tema principal, ao qual aceitamos participações: podem consultar em http://blog.varazimteatro.org


Obrigada,
Joana Soares

sábado, 26 de julho de 2008

Consulta


Entrou no consultório e cumprimentou-me com um informalismo a que não estou habituado nas minhas consultas, segurando-me longamente a mão direita e dando-me, com a mão esquerda, uma pancada no ombro. Disse-me o seu nome, Portugal, explicou-me ser europeu apesar da sua tradição na relação com África e América do Sul, heranças do colonialismo, como me contou em conversa preliminar antes da nossa consulta. Disse-me também estar pouco habituado a estas modernices da psicologia, mas que vinha recomendado por um amigo, também europeu, que lhe contara maravilhas dos resultados destas conversas. Interrompeu para dizer que, ainda assim, desconfiava destes resultados, até porque este seu amigo o havia traído várias vezes há algum tempo atrás. Falou-me da restauração da independência no século XVII como o fim destas traições cobardes, e das mais recentes multinacionais que inundam os seus mercados. Ouvia-o cada vez mais longe e de forma embrulhada, enquanto se repetia e perdia em pormenores, acenei-lhe a medo pois tinha feito uma pausa e continuou, poupando-me ao embaraço.
Resolvi insistir que se recostasse na poltrona para que falássemos mais seriamente. Sentou-se então, definindo uma curva entre Sines e Évora onde se dobrava no cadeirão, a ponta de Sagres assentava no chão enquanto o cabo Espichel e Peniche pendiam fora da cadeira, como pendiam as ilhas, parasitando o restante território, fossem ilhas relativamente longínquas, como os Açores e a Madeira, fossem ilhéus próximos como as Berlengas, a Armona e o Farol. Acima na cadeira, o Minho e Trás-os-Montes não encontravam apoio de cabeça, deslizando para trás.
Começou a falar novamente, pedi-lhe que começasse pelo princípio para conseguir compreender quais os seus padecimentos, além da desordem discursiva, claro.
Falou-me dos descobrimentos, que havia sido durante séculos uma nação imperial, vá lá acreditar-se. Falou-me das cortes, dos reis absolutos e liberais, das conquistas e dos fracassos no Norte de África, para deter-se longamente sobre a ditadura mais recente, que dizia, pesadamente, continuar a limitá-lo até hoje, dizia, já com a voz embargada, ter-lhe tirado a criatividade e o fulgor de uma forma irrecuperável. Lançou-se depois, bruscamente para tempos mais próximos, para as fábricas que fecham, para as crianças que não nascem, para os rendimentos que não crescem. Rematou mais tarde com uma pergunta: - Sr. Doutor, estou deprimido, não estou? Não respondi de imediato, mas pensei que estes sintomas se enquadravam mais num quadro clínico de hipocondria, misturado com algum saudosismo evitável. Peguei num frasco de placebos, que tenho sempre à mão, e disse: - Não se preocupe, tome estes comprimidos duas vezes por dia e marque nova consulta daqui a dois meses para que conversemos melhor. Levantou-se, erguendo-se sobre o Algarve, e cumprimentou-me de uma forma mais fria do que esperava, como que desapontado por não ter concordado com o seu diagnóstico, saiu, bateu a porta para não mais voltar…


Teófilo, após pesados fracassos na psicanálise de seres humanos, e depois de ter constatado a feroz concorrência existente na psiquiatria canina, dedica-se a atender países nos seus padecimentos psicológicos. São-lhe imputados os milagres Japonês e Alemão após a 2ª grande guerra, e terá feito parte do grupo de trabalho que resolveu a “Doença” Holandesa nos anos 70.

Il doppio legame

Foi desaparecendo tudo a pouco e pouco, confessou-me Lúcia, mais calma naquela tarde. Senti-o esfumar-se diante de mim como uma névoa se esfuma.
Lúcia coçava o braço esquerdo e fazia ranger os dentes enquanto lhe transmitia palavras de conforto que tinha dificuldade em articular. Inquietei-me também, solidário, e oscilei na cadeira de uma forma calculada. Os seu olhar parecia perder-se quando interrompia o discurso, para retomar o meu quando voltava a contar-me o que sentia.
Recordo-me de quando começaram a rarear-lhe as palavras, disse-me, e de como perdeu força a sua voz, que passou a apenas murmurar na maior parte das ocasiões. Desapareceram também os olhares, cada dia mais murchos, pesados e vazios. E os gestos, que se fizeram meros acenos
Desde essa altura, sombrio, passava os dias a escrever. Eram textos que nunca me mostrou, ao contrário do que fazia tipicamente com as suas publicações, fossem literárias ou científicas. Estes textos pareciam vazar-lhe a alma, sorver-lhe os sentidos como nunca havia sucedido anteriormente.
Os mesmos textos que o salvaram da loucura, mais do que o exército russo, consumiam-lhe, em vingança, agora tudo. Penso que nunca o compreendi totalmente. A maior parte dos que o podiam compreender tinham morrido há muito, num local onde também ele estava destinado a morrer.
O sentimento de culpa irracional por ter sobrevivido sempre o perseguiu. Não lhe davam descanso, as cumplicidades e os acasos felizes desta sobrevivência e pesavam-lhe o rosto e o passo. Nos últimos dias, estas recordações injustas pareciam encurralá-lo de medo.
Encontrei-o caído nas escadas, dizem que se matou, rezo para que não tenha sido assim, seria a pior das coisas.
Trecho da minha entrevista a Lúcia Levi

Gorgotranda Duduli


As minhas sinapses estão muito desadequadas. Estão próximas da dissolução. O meu entendimento resistirá? Ou virá aquela loucura lenta, larva gorda que ameaça comer a couve do entendimento, única flor da horta da existência?



O beijo da loucura, Gorgotranda Duduli

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Um dia de sol

A delicadeza dos dias corre suada em calda pelos dias de sol. Ao mexer-me para agarrar o copo gelado as axilas inundam-se. Bebo a limonada e encosto-me para trás. Só luz como água escorre por mim. Suor luz e limonada. Estou felizmente com o meu amor, que anda pela casa de quarto em quarto a arrumar. Estufei um bocado de cabrito com ervilhas presunto e cebolas. Cheira pela casa toda. O meu bebé acordou soltando alguma bem-vinda gritaria. É a hora dele sorver dos seios da mãe a pescada com tomates e coentros que eu fiz ontem ao jantar. E mais o polvo e arroz do almoço. Levanto-me e saio da beira do sol e vou pelo corredor para o quarto onde mama o meu bebé. E lá estão os dois , mãe e filho. Dou um beijo a cada um e volto para o sol. Está um dia lindo e olho para a cidade do outro lado do rio. Ás vezes quando me encharco de sol tenho a certeza que por não pensar muito, existo melhor.

Ao poente começamos a comer aproveitando o dormitar da cria. Beijo depois de jantar. De língua para limpar resquícios de doce. Cedo virá a noite fresca e a lua. E aqui paro o texto porque o quero solar.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Chá das quatro

Pouco a pouco fora desistindo de muitas coisas que antes fazia.
Deixara de ir fazer compras ao centro da cidade. Os transportes públicos sempre cheios de pessoas de rostos fechados e impacientes e jovens desrespeitosos pareciam-lhe muito pouco seguros. Tivera sorte naquela última vez em que caíra por aquela senhora a ter ajudado. Ajudara-a a levantar-se e acompanhara-a a casa.Via-se que era uma senhora com educação. Depois com a atrapalhação não guardara dela nenhum dado, nem o nome, e não lhe pudera agradecer.
Só tivera uma entorse, mas ficara sempre mais fraca daquela perna.
Dependia mais do telefone. Da mercearia traziam-lhe o que encomendava. Não tão bem escolhido, é verdade, mas não podia ser exigente.
O que ainda continuava a manter, era o lanche de sábado com as suas velhas amigas.
Antes eram cinco, mas a Mimi tivera um ataque que a deixara para sempre de cama, até se ir de vez, há dois anos.
Fora visitá-la algumas vezes. Tinha um olhar parado e não parecia estar ali. Do lado esquerdo da boca, mal fechada, saía-lhe um fio de saliva que a filha de vez em quando limpava, enquanto comentava: "hoje ela está melhor e ficou contente por a ver". Não sabia se o dizia por si ou por ela própria. No dia do funeral parecia sobretudo cansada e com os pesâmes quase todos lhe diziam "agora a mãezinha descansou finalmente, não sofre mais". Descansaram a mãe e a filha. Depois de dois anos assim e logo a Mimi que era tão animada.
Tinham ficado as quatro, mas nem sempre vinham todas ao lanche. Chegavam pelas dezasseis, com passos curtos e fatos finos, como já não se fazem. Sentavam-se na mesa do canto à janela. A sua mesa. Se estava ocupada escolhiam a mesa mais próxima, aborrecidas com aquela contrariedade até a esquecerem com a conversa. Ocupavam os lugares pela mesma ordem, deixando vagas as cadeiras das que faltavam. Pediam chá, escolhiam bolos, punham a conversa em dia e criticavam os novos tempos. Naquelas horas voltavam a ser elas, já não senhoras idosas, mas as raparigas da mesma idade, na segurança do que conheciam umas das outras, mais confiantes numa ordem do mundo.
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Scrabble, Julho de 2007
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Scrabble, começou a publicar textos num blog em Julho de 2006. A sua identidade é desconhecida, crê-se que para ele próprio.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Ferdinando Silvestre



Deves dizer-lhe que ela sabe a atum depois de ela te dizer tens cá uma lata.
Se gostares mesmo dela compara-a com um prato qualquer tipo lagosta ou trufa (1).
As mulheres têm preconceitos estéticos em relação á comida por isso não lhe chames rojãozinho ou filete. Evita o porco e as suas analogias, soa inconveniente ao sexo fendido. Acima de tudo lembra-te que a maioria das mulheres só querem amor, atenção e nabo picante. É minha contenção que as mulheres evitam o confronto por isso segue-lhes o exemplo, tenta convencer quando te convencem e tudo ficará bem.


(1) Mulheres de pendor alternativo gostam de analogias com tofu

Amor eterno, Ferdinando Silvestre


Não conheço mais nada da obra de Silvestre a não ser este opúsculo sobre a sedução e o entendimento entre géneros. Teve uma edição de autor há uns anos.

domingo, 20 de julho de 2008

" Tardes do Tiço`s"


" Mãos sujas" carregando o peso da existência, da liberdade não desejada...
A angústia que corroía o âmago até ao limite.
Presos na densidade dos ideais que os consumiam, dos sentimentos que os sufocavam...
E o vazio... o vazio ameno das tardes, das odes ao Ian Curtis, do fumo dos charros, dos acordes da "all my colours"... a ânsia de não ser.
Procuravam a identidade na melancolia do outro, espelhavam-se na sua relutância em viver...


Maria

sexta-feira, 18 de julho de 2008

terça-feira, 15 de julho de 2008

Prédica de domingo por Alice Strudel


Prédica de Domingo

Não acreditais, ó crentes, nos benefícios da comida aquecida?
Não acreditais vós na cozinha lenta?
Sois porventura glutões da carne picada?
Gostais do ar?
Gostais do pranto microbiológico dos centros comerciais,
E do sussurro dos carros nos parques,
Depois de excitado o tímpano
No rastreio em stereo dos multiplex.


Gostais porventura do zurzir surdo
Da arrazoada dos sítios sem alma
Onde vacilamos como crianças inocentes
Sem dó nem alma.
Será essa a vossa terra da fartura
Ao domingo?

Alice Strudel


Nota de alien taco: Acho a poesia de Strudel tão estimulante como as alocuções do Padre Borga. No entanto, não pude deixar de postar este poema. Talvez por anteontem ter sido domingo. A obra não tem edição portuguesa e não consegui arranjar tradução para multiplex e stereo no poema. O porquê de eu traduzir Alice Strudel é um mistério até para mim próprio. O título em inglês do livro é Porcupine Blues.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Darcy Grey Feather


Um dia com reserva de amor


Una música de voz rouca
Na toca da quente amada
Cheiro da mata louca
Bem cavalgada bem chegada

Delírio herbal
Na casa do suor
Sórdido tribal
+Tolo de amor

Depois há noite borracheira
Seguida de cacto amargo
E suco duma amoreira
Para tirar o travo

Darcy Grey Feather, Flores ossudas


Este poema foi lido pela primeira vez num pow-wow. Foi na reserva apache da montanha branca durante um beberete ao qual Darcy chegou já um bocado tocado com tsiwin. Este livro Flores ossudas foi publicado pela Vértice Hormonal.

sábado, 5 de julho de 2008

Elvino Sacripanta


Não existe em Portugal aristocrata mais séria do que Mena Mónica. Também conhecida como A mulher que comeu Eça. Há mais Eça nos seus tornozelos e joelhos que nos livros do próprio. Dentro do tutano das suas deliciosas tíbias há toda a Sociologia. Mais acima nas coxas há só chicha , e ao chegar ao solilóquio vestal encontra-se Cesário Verde envolto em floresta ainda viçosa. Não vou mais acima para não despertar Camões nos Montes Hermínios que Mena transporta como troféus duma juventude táctil. VIVA MENA! Tudo o que ela diz enche o povo de exaltação!




Elvino Sacripanta, Viva Mena!



Elvino Sacripanta distinguiu-se com mérito no lançamento do dardo na década de oitenta. Desligado do atletismo dedica-se á ficção lançando Eu tu e um rodízio e o clássico A gaja das gravatas. Recentemente lançou a biografia não autorizada VIVA MENA! Tudo editado pelas Edições Anafadas.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Serviliana Dobler-Pyiu


A casa estava pintada de azul-cobalto por fora. Por dentro era rosa-quartzo e madeira petrificada. Dois anões de cabeças enormes e orelhas bicudas cozinhavam numa mesa onde luzia um fogão de campismo num cromado que cegava. Os três gatos comportavam-se como lémures. Os anões cirandavam enquanto coziam ovos e gemiam baixinho enquanto evitavam olhar-se. Os gatos cada vez mais se comportavam como lémures. Os anões enfeitaram-se para o jantar e cada um comeu o seu ovo cozido. Depois foram dormir. Quando adormeceram, os gatos deixaram de se comportar como lémures. No entanto os ovos dentro dos ventres dos anões portaram-se como ovos. Devido a isto os anões engravidaram.
Na manhã seguinte deram à luz dois lémures, que desataram a miar. Tendo os anões morrido no parto, a casa ficou com um grupo de lémures que imitavam gatos e um de gatos que se julgavam lémures. Quando os dois se encontraram geraram uma Entidade que era parte lémure parte gato, mas com personalidade de anão. Esse novo ser acabou com todos os outros. Ás vezes na solidão do quartzo-rosa a Entidade conversava com o butagaz cromado e dizia-lhe: Não os suportava, eram pouco parecidos comigo.
Serviliana Dobler-Pyiu, A gestação do absurdo

Serviliana Dobler-Pyiu surpreendeu o micro–mundo das artes literárias com O fiador de filamentos em 1992. Neste micro texto extraído duma das suas obras A gestação do absurdo, as palavras rodam como se fossem uma aranha já bebida a deslindar um cubo de Rubik. Ambas as obras foram publicadas pela Guano Conceptual.

Jantar

E só mais um detalhe... Quem não concordar com a escolha do restaurante é favor endereçar os protestos ao Leonardo. Eu só servi de pombo correio...!

Flávia

Jantar de encerramento do atelier

Já está marcado o jantar que assinala o fim do presente atelier de escrita. Realizar-se -á no restaurante "O Cometa", junto à igreja de S. João Novo. Na próxima quarta feira passaremos a folha de inscrições.
Flávia

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Gomercindo Tácito


O galho impante
O bico crocante
Réstias foleiras
De conas traseiras

Tudo é pecado
Até a chibata
Que dói na beata

São os da pepita
Garimpeiros do rei
Que nunca os visita

Viva a pita!
Viva a pita!

Gomercindo Tácito, Cosmética Vulvar


A obra de Gomercindo Tácito foi descrita pelas perto de oito pessoas que a leram como a expressão mais ordinária e vulgar do marialvismo. Sobre ele disse Alice Strudel “não encontro nada de belo ou de voluptuoso nas palavras de Gomercindo Tácito; é um autor pornográfico e que tenta sem o conseguir untar as partes femininas” ao que Gomercindo lhe terá respondido por carta e citamos: “o facto de a senhora achar os meus escritos vulgares enche-me de gaúdio desejo-lhe a melhor sorte nas sua lutas pelo bem estar dos vegetais . Que um pepino guie a sua mão até á sua gruta antes que fossilize ou comece a criar grelos, sua maluca". Dois poemas de G. Tácito figuram na colectânea de António Fangoria Gancho O hospício dos felizardos. A obra supra citada Cosmética Vulvar é uma edição de autor com cerca de dez anos.

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Alice Strudel


É com pouca alegria e remansos de fel que me vejo forçada a criticar a actual politica em relação ao tratamento inumano a que os melões são sujeitos. Desde a sua colheita, durante o seu transporte até aos pontos de venda. São arrancados á terra com brutalidade ímpar, são degradados aos trambolhões em furgonetas e camiões. Finalmente são expostos nus nas prateleiras dos mercados. Mas ignomínia das ignomínias antes de serem transladados para os nossos lares comensais, são apalpados por dedos ciosos de repasto beatífico. São depois retalhados e devorados pelos humanos de cujos lábios pende um sangue transparente destes infelizes. Das pevides, mais cónicos escravos são obrigados a nascer. Os melões são como nós. Acabem com a sua miséria. Sejam humanos com os melões.


Manual da revolta vegetal, Alice Strudel


Alice Strudel é uma escritora apátrida com residência em Beja onde vive. Activista dos direitos dos vegetais Alice lutou durante os anos sessenta contra a lobotomia, finda essa luta virou-se para o quintal. Desde aí não há seres da terra que ela não proteja. Os dois últimos livros, Abóbora final e O crepúsculo dos nabos foram editados pela Cinco Exemplares.

domingo, 29 de junho de 2008

O almoço do guaxinim(seguido da sesta representada graficamente pelos zzzzzzzz....)


Abetarda singela
Croutton molhado
Em doce de beringela
Párias de coalhado

Grandiosa salada
Molete ensopado
Carcassa cevada
Brie grelhado

Molho de alho
Repuxo de buxo
E um bandalho
Ávido de luxo

Bifes de foca
Milho real
E silencio na toca
Zzzzzzzzzz……….

Flamenco 3D (anaglyph)

sábado, 28 de junho de 2008

Adoro o verão, a perspectiva das férias, o calor do sol na pele, andar com pouca roupa, sentir no final da tarde o vento quente a levantar-me o vestido e a afagar-me o cabelo para me fazer cócegas nos braços.
Adoro a ideia de ir ter tempo para ler livros, trocar palavras com quem já não estou há demasiado tempo, estar com os amigos, estar com quem gosto.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

José António Marina


Quando digo que a inteligência joga, não falo metaforicamente. A inteligência joga consigo mesma executando as suas actividades livremente por fruição, prescindindo de normas e finalidades, insubmissa e incansável. Numa palavra, comporta-se com engenhosidade. No engenho estão todas e cada uma das características do jogo.
Em primeiro lugar, é uma actividade agradável, auto suficiente e portanto inesgotável. O jogo não pretende atingir fim algum fora de si próprio. Por isso é infinito. Meter um golo ou ganhar um jogo não são a sua finalidade, porque assim que acaba ,senão houver cansaço começaria outro. O corpo e o espírito captam-se como inesgotáveis e essa sensação de poder forma parte da alegria do jogo.


Elogio e refutação do engenho, José António Marina


José António Marina nascido, em 1939, em Toledo diz de si próprio “ser um observador sem domicílio fixo e um detective cultural”.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Ezequiel Sernancelhe


As minhas grandes referências não são literárias, daí o facto de eu escrever tão mal. As minhas influências são o saudoso Roussado Pinto e aquele brilhante pasquim que era o Jornal do Incrível. Outro grande cacho do lagar da minha criação é a poesia popular escrita em casas de banho de café. Acho que no actual contexto a cultura precisa não de ser elogiada mas sim de ser torturada. Disponho em meu poder vários desses instrumentos a saber: o strapado para autores chatos como o caralho, o aseli para poetas de merda, as tablillas para os pedantes cheio de floreados, a escalera para os ficcionistas de trambolhos, a gehena para as escritoras de chás de caridade, o tijolo quente para os donos das barracas pequenas, e a dama de ferro para os igualmente cabrões donos das barracas grandes.


Ezequiel Sernancelhe, A varanda das virtudes


Ezequiel Sernancelhe é um médico de província que além de tratar as maleitas das suas aldeias se dedica ao ensaio e á entomologia. O seu primeiro ensaio Lídia Gorge não sabe assobiar vendeu dezanove cópias. A varanda das virtudes já vendeu perto de cinquenta. Ambas foram publicadas pela Desova do Lucro.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Virgolino Toledo


Patarata

Oh virtude imaculada
Oh adornada bênção
Vénus dourada da extrema –unção
Leva contigo o morcão
Que sem nada querer
Fodeu a selecção


Virgolino Toledo, Darwin revisitado e a selecção natural




Virgolino Toledo nasceu numa caixa de sapatos produto dos amores de dois anões. Desde cedo viu que o mundo alto e hipócrita lhe era adverso. Tendo sido figurante na Guerra das Estrelas como Ewok, dedica-se á poesia desde há trinta anos, tendo ganho o prémio do melhor poeta do mundo abaixo do metro e cinco. A sua Espanha natal lentamente vem apreciando a poesia deste pequeno homem das palavras. Duas das suas obras, a acima citada e uma outra bastante polémica Sou anão e depois? Foram publicadas pela Retrosaria Flavius.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Terebentino Lombardo


Versos arborícolas

Como é bela a sandice colada á velhice
Ás árvores ninguém desdiz a idade
Mas antes as gabam e a seus arcaicos ramos
Verdura pendente do céu
Esparregado plantado no tecto azul
Estrofes fendidas no vento
Grossa riqueza oferecida em sombra
Alvéolos dum mundo que já respira mal.
Refúgio de bichos.
Matéria de berço e de barco de recreio.
Cadeira de escola e caixão.
Árvores sandeiras, velhas matreiras
Cabe a vós salvar o mundo e a Ikea.



Terebentino Lombardo, Nú no Éden


Terebentino Lombardo é funcionário público há noventa e tal anos. O tempo livre dedica-o á poesia. Tem um papagaio loiro de bico doirado e pouco mais. Desde 2002 publica regularmente na Trampolim Taciturno sempre o mesmo livro: o clássico florestal Nú no Éden.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Jantar do Atelier - 25 de Junho

Foi marcado para quarta feira dia 25 de Junho um jantar. Quem queira ir e ainda não o tenha dito, pode falar com o Roldeck ou enviar-me um mail para escritaredonda@gmail.com que prontamente lhe transmitirei.
Para tranquilizar qualquer eventual interessado garanto expressamente que neste jantar não vou tentar entregar nenhum dos prémios anuais que ficaram por entregar (que foram todos).

segunda-feira, 16 de junho de 2008




Cheira-me a éter
Erva-doce mascarra boião
Ácido limão
Bruta forra fecal
Duro e inerme
Enorme verme
Aspira alvo
De flecha semente
Demente demente
E mente.
Mentiroso por gula
O poeta borra-se no eu
O papel a que limpa o cú
É primo da sua mão
Que é carne osso e tutano ( para chupar)
Pela terra

Darcy Grey Feather, A lebre e o ponto de fuga


Darcy Grey Feather é um poeta da nação Oglala, publicado pela Vértice Hormonal desde 2004. Na badana pode ler-se que é um católico animista, e que tendo sido criado por uma televisão e duas lobas tem retido a insanidade com a ajuda de grandes quantidades de álcool. De si próprio diz: “sou mais um índio bêbado fora duma reserva, vão-se foder! Se querem que eu pare de beber tragam os búfalos de volta seus cabrões.”

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Manifesto do papel macio



Vimos por este meio expressar a nossa indignação pela grossura desmesurada do papel do Jornal das Letras. O Jornal das Letras tem o dever moral de se tornar mais absorvente e macio. As fotografias e os textos dos autores mais significativos deviam ser impressos nas páginas do meio mais suaves e ultrafinas numa gradação de agrado às mucosas anais do leitor.


Os gnomos de serralves

sábado, 3 de maio de 2008

Insensatez

Senti saudades de Torga neste fim-de-semana. Voltei a folheá-lo em busca da sua magnífica perspicácia para as coisas humanas.
"Coimbra, 11 de Março de 1973 - Não tenho emenda. Teimo na insensatez de pôr a mesma intensidade em cada acto do dia a dia, até quando sei objectivamente que não vale a pena. E acabo por me gastar da maneira mais absurda, como uma vela que continuasse a arder diante da evidência da luz do sol. Dissipo o presente em vez de o capitalizar para o futuro. Sempre disponível e sem prioridades absolutas, quero equivaler-me em todas as circunstâncias, e o resultado é andar atrasado comigo por um perdulário escrúpulo de atenção."
Quantos de nós?

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Orelhas com musgo


Ai quem me dera ter outra vez cento e cinquenta anos

verde musgo invade-me as orelhas

pouco dou pelos meus olhos

de som sou parco de novo nas orelhas (deve ser do musgo!)


Bom tom não tenho

mas alvitres de penalista

se não parece-se o Dumbo

era fadista.



Fui ter com um sábio

que me disse num lampejar

deixa a redonda

dedica-te ao lar.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Aviso muito importante

Já estão abertas as inscrições para o novo atelier de escrita!

terça-feira, 1 de abril de 2008

Jantar do blogue colectivo e do atelier de escrita

Conforme mails enviados oportunamente, irá ter hoje lugar em Serralves, pelas 20.30, um jantar para o qual estavam convidados todos os colegas que frequentaram o primeiro e o segundo ateliés de escrita, e que confirmaram a sua presença até às 19 horas.

Durante o jantar que será oferecido, ir-se-ão declamar alguns poemas de Fernando Pessoa e de António Queirós.

Posteriormente, espera-se que alguns colegas do blogue, venham a redigir e a publicar aqui alguns textos sobre o evento que poderão depois vir a ser também publicados na Revista Semestral de Serralves.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Novo atelier de escrita

Na página de Serralves na Internet já se pode encontrar a informação sobre o novo atelier de escrita que se inicia em Abril. Ver aqui

quinta-feira, 27 de março de 2008

Johnny Cash God's Gonna Cut You Down

Tonicha - Menina - videoclip

de onde se retira com galhardo regalo que Tonicha e Joana Amaral Dias são uma e a mesma pessoa.

NELSON NED - Tu me haces falta

segunda-feira, 24 de março de 2008

Festa na aldeia




Não custará acreditar que a prática da natação sobreviveu até à época do homem erectus; sabemos por experiência própria que sobreviveu até ao tempo do homo sapiens. As pessoas abastadas bastante para poderem idealizar os locais onde habitam constroem casas de banho e chuveiros e piscinas e passam as férias perto do mar. Uma vez aí exibem a tendência talassotrópica que fascinou Robert Frost:

As pessoas ao longo da areia
Viram-se e olham todas na mesma direcção.
Viram costas à terra
Olham para o mar o dia inteiro.(…)

Uma tal preferência parece-nos “apenas natural – faz parte da natureza humana”. Mas porquê? Ela não faz parte da natureza dos primatas. Se descendêssemos meramente de um símio arborícola encalhado, os nossos instintos atávicos deviam inflacionar os preços dos hotéis com vista para a floresta, e as pessoas instalar-se-iam às centenas nas suas espreguiçadeiras para contemplar as árvores o dia inteiro.”

A Hipótese do Símio Aquático, Elaine Morgan, Lisboa, Via Óptima, 2004



Nota de Alien Taco - Este livro foi-me oferecido por Pimpinelo Rojão, por ocasião do seu 90º aniversário, em Berças de Trasco, uma remota cidadela na Terra Média. Na festa apenas eu cinco minhotas sem buço vagamente vestidas e Pimpinelo. Com os dentes cheios de arroz de sarrabulho ele disse-me: “toma tens que ler isto. Afinal há quem ache que viemos da água. Símios aquáticos, extraterrestres; Deus donde viemos nós, afinal?”- foi a pergunta de Pimpinelo enquanto se alambazava de pudim de ovos com fios dos mesmos. Eu lá li o livro do velho Rojão e agora partilho convosco este texto do dito. Pimpinelo trabalhou nos caminhos-de-ferro como comboio durante setenta e cinco anos, reformou-se há 25 e espera viver até aos cem na sua quintarola de Berças de Trasco, rodeado de gnomos de jardim e muita carne de porco. O seu lendário apetite por cultura levou-o a criar a sua própria companhia teatro: “Os Fémures da Barcarola” e uma editora a Trambolho de Bolso. No fim da festa já adornado pela bebida com olhos flamejantes disse-me : “cá para mim o segredo está na ilha de Páscoa. Esses é que sabiam.” E foi com esta enigmática e bêbada frase que se despediu emocionado o meu velho amigo Pimpinelo Rojão, o perseverante procurador do sentido e da origem do seu semelhante e dos doces conventuais.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Leituras


Confesso que não tive oportunidade de ler o livro O meu nome é guião. Mas o título é catita. De Lobo Antunes tive o prazer de ler a Memória de Altifalante onde como toda a gente me pasmei perante a parábola do elefante e do cornaca. Para quem não leu o livro trata-se duma pequena estória sobre um cornaca sádico que todas as manhãs sorvia o seu leite de coco depois de abrir o mesmo coco na cabeça do elefante. Durante anos o elefante aguentou mas um dia ao entardecer pegou num coco e esmagou a cabeça do cornaca. Mas a beleza de toda a parábola jaz no facto de ninguém saber se o elefante comeu o coco ou não. Li também o belo Ontem não te vi na Lapónia, onde o personagem Ravintola abandona a sua ocupação de vendedor de gomas em Helsínquia para ver a aurora boreal e encontrar o seu guia animal. E mais não digo. Recomendo toda a obra de Lobo Antunes até os livros que ele ainda não escreveu. Sendo psiquiatra não é maluco de todo, o que é, como é sabido cousa muy rara.


sábado, 15 de março de 2008

O meu nome é legião

Qual dos colegas - bloggers leu o último livro de Lobo Antunes e quer dar uma opiniãozinha ? ? ?

quinta-feira, 13 de março de 2008

O encontro das espécies

Numa festa de galantine bizarro amor,
uma jovem encontrada nua e sorridente em galante pose.
A seu lado, um fox terrier exausto fumava um cigarro.
A donzela fumava também.
Ao longe Tintin fugia abotoando as bragas.

terça-feira, 11 de março de 2008

www.imeem.com

Continuando a falar de música ( Benvindo Zé Mesquita!), e para quem gosta de encontrar música na Web fica a indicação de um site com muita música online. Inclusivé podem copiar as músicas para blogs, páginas pessoais, etc, como fiz com a música do JP Simões. Gosto do ritmo e acho a letra genial.



sexta-feira, 7 de março de 2008

Vivam !
Finalmente tenho acesso ao blog, com a imprescindível ajuda da Gabriela.
Mas continuo a reinvindicar para mim, se f. f., o primeiro prémio de "o mais nabo a lidar com estas coisas da informática".
Como não tenho mais nada para apresentar, venho dar uma sugestão: apagar a luz, pôr o som mais alto e fechar os olhos para tocar o pico do sublime com este trecho em quatro versões:

Versão A
http://www.youtube.com/watch?v=dOYsdtwLSrA

Versão B
http://www.youtube.com/watch?v=tjG6NaMKQo0

Versão C
http://www.youtube.com/watch?v=dOYsdtwLSrA&feature=related

Versão D

Depois aceita-se votação: 4 pontos na interpretação melhor, 3 na segunda, etc.

' Bora !

Um abraço ou um beijo conforme o / a destinatário / a.

Zé Mesquita ( o mais n. a l. c. e. c. da inf. )

quarta-feira, 5 de março de 2008

António

O calor e a ansiedade encharcavam a face de António. Os fios que tombavam da sua testa aliavam-se ao cansaço que lhe pesava as pestanas. O suor escorregava, em gotas, pela cana do nariz, para se acamar nas covas do seu lábio superior. Acumulava-se a água, como um bigode, por cima da boca até ser sacudida por um safanão violento vindo do volante. Outros fios escorriam-lhe nas costas provocando arrepios embaraçosos que o deslocavam no banco. Habituara-se ao suor desde que começara a tomar peso, ainda antes de partir para África, mas, aquela viagem apressada, estava a transformá-lo num pano encharcado. Uma mosca enamora-se do seu ouvido esquerdo em tangentes sonoras incómodas que procurava interromper com o esgar do pescoço na direcção da janela. As mãos melosas tentavam alcançar a alavanca para abrir o vidro, permitindo expulsar a mosca e repor alguma justiça na sua temperatura corporal.
Há mais de cem quilómetros que não falava, os pensamentos ocupavam-lhe a mente, não deixando espaço para o discurso. Ao seu lado, Júlio não se atrevia a quebrar o silêncio. Noutras circunstâncias talvez o fizesse mas, desta vez, limitava-se a refrescar-se com água e a desejar que a noite anterior nunca tivesse acontecido. Preparava, há algum tempo, uma interjeição que resolvesse aquele desconforto que se adensava mas, desistia sempre no último momento. Descrevia gestos tensos, ora arrastando as mãos sujas pelas coxas, ora coçando violentamente as patilhas até que se enchessem os ombros de caspa fina. Júlio nunca fora um tipo violento, nem mesmo com os pretos em África, a quem raramente levantava a mão, mas o álcool e uma zaragata foram suficientes para o levar à vertigem que o condenou.
Aproximava-se a fronteira, forçando a paragem para que Júlio se escondesse na bagageira do Volvo. Escondeu-se por baixo de umas mantas e de uns sacos de viagem que serviriam para o disfarce, pediu mais uma vez desculpa como um cão arrependido e envolveu-se quieto. António tornou ao volante, apesar de ter ponderado abandonar o carro naquele momento. Recordou, nesta altura, a fronteira da Namíbia, que passou vezes sem conta em direcção à Africa do Sul, o calor e a poeira davam particular credibilidade a esta recordação.
Chegado à fronteira, António parqueou o carro e meteu conversa com o fiscal que se preparava para vistoriar o carro. Abriu a bagageira, onde se distinguia um pé de Júlio enroscado por baixo dos sacos. Um choque de pânico percorreu António, que se viu perdido naquele momento. Puxou as calças para cima, num gesto nervoso que muitas vezes repetia, e retomou um ar calmo. Julgando ser o pé de um morto e temendo o pior também para si, o fiscal disse a António que seguisse.
Seguiram para Tui onde ficou Júlio, em lágrimas, com algum dinheiro para a fuga. Uma semana mais tarde, ainda com dinheiro no bolso, voltou a Portugal e entregou-se à guarda.

Desenho - Andreia Dias
Este é o último post do meu blog, para que mais gente o leia, tem poucas visitas este meu blog (http://hermesrevelado.blogspot.com).

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Regras para a prática da escrita

Tento ver a escrita como algo de raiz leve e moderada, algo que inicialmente sugere a descontração. Um passo para desligar a rotina, o caminho para o abandono das programações constantes que os nossos pensamentos e actos imediatos evidenciam diariamente.
Esta visão tem como objectivo libertar a escrita do estigma da obrigação. Felizmente posso pensar assim. Não vivo da escrita e a minhas pretensões não passam de uma forma de descobrir-me a mim próprio, ainda que esse propósito do auto conhecimento constitua um plano ambicioso e em certa medida contenha um lirismo inocente que contribui para me inebriar. Não levar-me demasiado a sério constitui sempre um bom contrapeso. Ás vezes é como fosse um jogo e brincasse ao : "escrever o que sou agora". Porem, vou sentindo necessidade de introduzir algumas regras ao meu "jogo da escrita" e pouco a pouco vou colhendo e absorvendo algumas ideias fruto dos meus interesses e procuras. Vou tendo a percepção que há vários níveis de profundidade quando mergulho nas palavras escritas e gostava de entender qual o grau apropriado para cada estado emocional. ( Sempre quis escrever uma frase parecida com esta.)
Gosto de pensar na escrita como uma terapia criativa, aliás algo que no atelier de escrita com o Mário Cláudio é explorado. Com base nesse conceito, a escritora Natalie Goldberg, norte americana especialmente conhecida pelos seus cursos de oficina de escrita, define algumas regras da prática de escrita que passo a transcrever:

" As regras de escrita são o ponto de partida, o início de toda a escrita, o fundamento para aprender a confiar na tua mente. Confiar na tua mente é essencial para escrever. As palavras saem da mente.
E alem disso creio nestas regras. Talvez seja un pouco fanática por elas.
- Actuas como se fossem regras para viver, como servissem para tudo - disse um amigo querendo importunar-me.
Eu sorri.
-De acordo, vamos provar. Servem tambem para o sexo? -Perguntou ele.
Levantei o polegar para indicar a regra número um: "Manter a mão em movimento". Assenti com a cabeça.
Dedo índice, regra número dois: " Ser concreto". Soltei um grito de júbilo.
Dedo número três: " Perder o controle". Estava a tornar-se claro que a escrita e o sexo eram o mesmo.
Finalmente, a número quatro: " Não pensar", disse eu.
Sim, tambem funcionavam para o sexo. Eu tinha razão. O meu amigo e eu começamos a rir.
Daqui para a frente experimenta estas regras com o ténis, enquanto conduzes o carro, ou preparas uma sandes de queijo ou disciplinas um cão ou uma serpente. De acordo. Pode ser que não deem resultado sempre . Mas dão com a escrita. Experimenta."

"Agora cito umas regras que não são necessariamente aplicadas ao sexo, mas que se quiseres podes tentar aplicá-las.
Não te preocupes com a pontuação, a ortografia, a gramática.
Não tenhas problemas em escrever o pior lixo da nação.
Vai directo ao "pescoço". Se surgir algo pavoroso segue-o. Aí é onde está a energia."

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Este país não é para velhos


Este país não é para velhos. Jovens

Abraçados, pássaros que nas árvores cantam

-essas gerações moribundas-

Cascatas de salmões, mares de cavalas,

peixe, carne, ave celebrando ao longo do Verão

Tudo quanto se engendra, nasce e morre.

Prisioneiros de tão sensual música todos abandonam

Os monumentos de intemporal saber.


W. B. Yeats


sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Poema de merda

Sentei-me no mármore
e logo o cu aqueceu.
Das entranhas
a bem da tripa
saiu fétido folhado
de hortos e grelos.
Ali sentado no mármore
percebi que cagar é comer ao contrário.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Finalmente!!!!

Finalmente consegui entrar neste universo fertil.
Vou ler tudo com carinho e depois dar as minhas "achegas".
Até breve

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

domingo, 17 de fevereiro de 2008

O Rosto

A propósito do tema da morte, vezeiro nas nossas aulas de escrita, principalmente nas últimas, resolvi partilhar o seguinte texto do Diário de Torga, de que, como já perceberam, gosto muitíssimo.
"Coimbra, 20 de Março de 1971 - Nunca mais poderei esquecer aquele grito de terror esgazeado: - Ela aí vem! Ela aí vem! É agora! Ainda injectei adrenalina no coração, massagei, fiz respiração boca a boca. Nada. O homem estava irremediavelmente morto. Era um pesado cadáver a arrefecer e a enrijecer progressivamente, como o de tantos a que não conseguira valer pela vida fora. E só me restava esquecer o incidente e regressar aos papéis, até porque o doente estava à espera de ser atendido por outro colega, e a minha intervenção tinha sido puramente casual. Mas havia o facto inquietante da visão e do pânico. O alarme aterrado diante do espectro que mais ninguém descortinava. E continuo sem poder pensar noutra coisa, impressionado, aflito, com as palavras do moribundo metidas no ouvido. O que é que o sujeito teria visto? Como será o rosto da morte?"

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Garrida virtude




O longo beijo da preguiça

a alvorada na casa do texugo

e a fuligem do resto,

fazem de todos os tontos

reis de outros tolos.

E de ti o meu amor.

E de ti o meu amor.

Que não pára

nem para sonhar

ancorado nesta parte de tudo.

Nesta parte de tudo

no teu verde prado

no solar de carne

que rodeia a tua alma

do vermelho que jorra

da carne pintada da boca

dos lábios de rosa.

De lírio do sol

a tua alma por mim roga

à luz duma Virgem que olha

pela mantilha que suas

para rezar neste fresco abrigo de pedra

em casa de Guadalupe.

Nelson Ned - Tudo Passara

dedico este video singelo a todos os ilustres ouvintes com votos de um bom fim-de-semana.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

O Aviso 2

Os nomeados para a 1ª edição dos Prémios TanagraSA são:

Nas Categorias:

Prémio por ter dado o nome ao blogue.
Nomeados:
- Tanagra


Prémio o primeiro post a seguir à sugestão para se escrever qualquer coisa

Nomeados (alguns com votos negativos dos próprios)
- Pedrocalvao
- Pedro Brandão
- Paula
- Tanagra
- Roldeck

Prémio vejam lá se postam alguma coisa

Nomeados:
-Minerva
- Maria Antónia
- Gabriel Mário Dia
- Rotundas
- A. Roma
- Zeus


REGRA para a votação: Não valem votos negativos dos próprios!

quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Aviso

Depois de eu me ter estado a matar a pensar no que é que poderia ser o prémio, alguém vai ter de levar com ele! Para piorar a situação resolvi que seria boa ideia consagrar a atribuição anual dos Prémios TanagraSA (portanto, vai ser mais do que um) e que os prémios serão entregues no jantar de encerramento do atelier. A única hipótese de todos escaparem a apanhar com o prémio, é terem-se esgotado na loja. Eventualmente em próximo "post" será afixada a lista dos prémios e dos nomeados.

Glifos

Tal como a Paula e o PedroCalvão, eu não quero o prémio mas sim divertir-me em vive-lo!

Venho pôr a escrita em dia
leva-la à exaustão
Conhecer o limite
saber o que determina
a tua intervenção
É a palavra
que ganha dimenção
criando este espaço entre nós
distância necessária
para entender
em ultima instância
que estas a ver
o que estou a pensar
sem nunca tu dizer
Em boa verdade
o que quero é viver
esta aventura contigo
deixar o tempo passar
ficar na tua cabeça
fazer nela o silêncio falar
O que aqui existe já passou
e por mais que se tente
não se consegue apagar

tanagra

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Novo teste

Estou ainda numa fase de testes

experiencia

Será que posso "postar" via email? Parece que sim

Acordei

Acordei. Às vezes a gente adormece um pouco. No meu caso, é coisa de velhos.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Cidreira

Com Torga partilho sentimentos e palavras, como as seguintes do seu Diário, que podiam ser minhas...
"Coimbra, 12 de Janeiro de 1971 - E era tão fácil ter paz! A bovina, evidentemente, e a que apetece, em boa verdade, na maioria das horas. O corpo afundado no sofá, e o espírito alapardado na conformação. Sorrir, aquiescer, abanar a cabeça, fingir... As pessoas querem-nos banais, passivas, conciliantes... Pois sejamo-lo. Não vale a pena contrariá-las, ser junto delas uma presença de constante inquietação... Mas, quando tudo parece bem encaminhado, um demónio interior borra repentinamente a pintura. Numa frase, numa interjeição, num gesto, ponho fim à comédia. Tiro a máscara, e mostro o rosto impaciente, crispado, rebelde a qualquer domesticação. Resultado: Um abismo de ressentimentos à minha volta. E dá-me vontade de morrer. Em nome de um homem abstracto que tento dignificar em mim, sacrifico o homem concreto que sou, o mais vulnerável dos mortais - que a secura duma resposta pode manter, como agora, acordado e desesperado a noite inteira -, tímido, agónico, Deus sabe até que ponto necessitado em certos momentos de saborear também a cidreira da felicidade sem história"

PS: Este é o último post que coloquei no meu blog (http://www.hermesrevelado.blogspot.com/), que os convido a visitar. É também uma candidatura ao prémio da redonda...

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Aconteceu


Escrevo agora.

Aconteceu.


Não quero o prémio, rejeito-o.

Não como qualquer escritor maldito; não sou escritor.

Apenas um tipo que foi para um atelier de escrita sem saber bem porquê.

Talvez para Zarpar...



Zarpar

um acto falhado

na noite hedonista e no mar homérico

a alma penada enfrenta amor épico.



Rasgadas as vestes

o corpo despido

a alma ressaca

o amor prometido.



Ó mar cor de vinho

dulcíssimo balanço

que eu morra no caminho

que eu morra tentando.



E Zeus no Olimpo

recolha o defunto

emborque o seu vinho

e redima o mundo.




e até quarta, não é verdade?

Mais uma sugestão

Tive outra ideia (hoje estou inspirada).
Já que às anteriores sugestões não se seguiu nem um "post", e como em princípio vamos ter um jantar no final do atelier, que tal instituirmos um prémio para quem escreva alguma coisa até lá, a ser entregue durante o jantar? Até poderíamos pôr o Roldeck a discursar e tudo. Aliás, se ele não vier aqui e ler isto e deduzir a necessária oposição no prazo de (estava a pensar em estabelecer um prazo curto de segundos, mas para ser justa e sobretudo porque desconfio que se calhar mesmo com um prazo longo, não vem na mesma) 24 horas, pode ficar já nomeado para o discurso da entrega do prémio!

sábado, 5 de janeiro de 2008

Sugestões

Que acham da ideia de "postarmos" neste blog, alguns dos trabalhos que escrevemos no atelier?

Quer no primeiro, quer no segundo, gostei imenso de ouvir ler alguns, pela forma como estavam escritos e pela originalidade do tratamento do tema. No entanto, porque apenas os ouvi e por uma vez, fiquei depois somente com uma vaga memória. Lembro-me, por exemplo, que quando fomos desafiados a escrever uma receita culinária, gostei muito de vários, entre os quais o da Minerva e o do Roldek, mas também o da D..., (que para já ainda não entrou para o blogue) e o de um colega (que penso não estará neste segundo atelier) que personificou os ingredientes, vinho do Porto, manteiga e chocolate.

Poderíamos também eleger ou propor um tema sobre o qual todos iríamos escrever, à semelhança dos trabalhos de casa, e poderia ser um projecto interessante elaborarmos um texto colectivo, estabelecendo previamente uma ordem para a sua continuação.