quarta-feira, 30 de julho de 2008

Um Desafio

Caros colegas

Tendo terminado o nosso atelier de escrita tenho um desafio para lhes propor.

Estou a coordenar a 1ª Edição de uma Publicação de Reflexão Cultural, de nome SUB-TEXTO.
Esta publicação já teve uma Edição em 2007, comemorativa dos 10 anos da Associação Varazim Teatro, a qual faço parte e sou fundadora.

O tema central desta Edição é: Teatro porquê? para quê? e para quem? e também haverá um destaque ao Festival E-qui-in-ócio que decorrerá em Setembro na Póvoa de Varzim.

Apesar de não ter pensado inicialmente neste desafio, penso que há muito talento entre os colegas, e porque não, uma vez que tenho na mão a possibilidade, dar uma oportunidade de publicação.

O meu desafio é o seguinte (para os que o quiserem aceitar, é claro):

Enviem-me textos curtos que achem que possam ser representados em Palco. Monólogos, Peças. Ou textos, dramáticos ou poéticos que já tenham pensado que pudessem ter uma outra dimensão: a da representação.

Dependendo do tamanho seleccionarei o máximo de textos possíveis para publicar. Pelo menos 3 garanto a publicação, sendo que estes devem ter duas páginas mais ou menos (máximo).

A Edição terá 1000 exemplares e será distribuída principalmente em locais relacionados com a prática teatral e também algumas papelarias do país.

Se quiserem colaborar penso que é um desafio e uma oportunidade.

Enviem-me as vossas propostas para: fazedoresdemundos@gmail.com ou sub-texto@varazimteatro.org

Existe também o lançamento do tema principal, ao qual aceitamos participações: podem consultar em http://blog.varazimteatro.org


Obrigada,
Joana Soares

sábado, 26 de julho de 2008

Consulta


Entrou no consultório e cumprimentou-me com um informalismo a que não estou habituado nas minhas consultas, segurando-me longamente a mão direita e dando-me, com a mão esquerda, uma pancada no ombro. Disse-me o seu nome, Portugal, explicou-me ser europeu apesar da sua tradição na relação com África e América do Sul, heranças do colonialismo, como me contou em conversa preliminar antes da nossa consulta. Disse-me também estar pouco habituado a estas modernices da psicologia, mas que vinha recomendado por um amigo, também europeu, que lhe contara maravilhas dos resultados destas conversas. Interrompeu para dizer que, ainda assim, desconfiava destes resultados, até porque este seu amigo o havia traído várias vezes há algum tempo atrás. Falou-me da restauração da independência no século XVII como o fim destas traições cobardes, e das mais recentes multinacionais que inundam os seus mercados. Ouvia-o cada vez mais longe e de forma embrulhada, enquanto se repetia e perdia em pormenores, acenei-lhe a medo pois tinha feito uma pausa e continuou, poupando-me ao embaraço.
Resolvi insistir que se recostasse na poltrona para que falássemos mais seriamente. Sentou-se então, definindo uma curva entre Sines e Évora onde se dobrava no cadeirão, a ponta de Sagres assentava no chão enquanto o cabo Espichel e Peniche pendiam fora da cadeira, como pendiam as ilhas, parasitando o restante território, fossem ilhas relativamente longínquas, como os Açores e a Madeira, fossem ilhéus próximos como as Berlengas, a Armona e o Farol. Acima na cadeira, o Minho e Trás-os-Montes não encontravam apoio de cabeça, deslizando para trás.
Começou a falar novamente, pedi-lhe que começasse pelo princípio para conseguir compreender quais os seus padecimentos, além da desordem discursiva, claro.
Falou-me dos descobrimentos, que havia sido durante séculos uma nação imperial, vá lá acreditar-se. Falou-me das cortes, dos reis absolutos e liberais, das conquistas e dos fracassos no Norte de África, para deter-se longamente sobre a ditadura mais recente, que dizia, pesadamente, continuar a limitá-lo até hoje, dizia, já com a voz embargada, ter-lhe tirado a criatividade e o fulgor de uma forma irrecuperável. Lançou-se depois, bruscamente para tempos mais próximos, para as fábricas que fecham, para as crianças que não nascem, para os rendimentos que não crescem. Rematou mais tarde com uma pergunta: - Sr. Doutor, estou deprimido, não estou? Não respondi de imediato, mas pensei que estes sintomas se enquadravam mais num quadro clínico de hipocondria, misturado com algum saudosismo evitável. Peguei num frasco de placebos, que tenho sempre à mão, e disse: - Não se preocupe, tome estes comprimidos duas vezes por dia e marque nova consulta daqui a dois meses para que conversemos melhor. Levantou-se, erguendo-se sobre o Algarve, e cumprimentou-me de uma forma mais fria do que esperava, como que desapontado por não ter concordado com o seu diagnóstico, saiu, bateu a porta para não mais voltar…


Teófilo, após pesados fracassos na psicanálise de seres humanos, e depois de ter constatado a feroz concorrência existente na psiquiatria canina, dedica-se a atender países nos seus padecimentos psicológicos. São-lhe imputados os milagres Japonês e Alemão após a 2ª grande guerra, e terá feito parte do grupo de trabalho que resolveu a “Doença” Holandesa nos anos 70.

Il doppio legame

Foi desaparecendo tudo a pouco e pouco, confessou-me Lúcia, mais calma naquela tarde. Senti-o esfumar-se diante de mim como uma névoa se esfuma.
Lúcia coçava o braço esquerdo e fazia ranger os dentes enquanto lhe transmitia palavras de conforto que tinha dificuldade em articular. Inquietei-me também, solidário, e oscilei na cadeira de uma forma calculada. Os seu olhar parecia perder-se quando interrompia o discurso, para retomar o meu quando voltava a contar-me o que sentia.
Recordo-me de quando começaram a rarear-lhe as palavras, disse-me, e de como perdeu força a sua voz, que passou a apenas murmurar na maior parte das ocasiões. Desapareceram também os olhares, cada dia mais murchos, pesados e vazios. E os gestos, que se fizeram meros acenos
Desde essa altura, sombrio, passava os dias a escrever. Eram textos que nunca me mostrou, ao contrário do que fazia tipicamente com as suas publicações, fossem literárias ou científicas. Estes textos pareciam vazar-lhe a alma, sorver-lhe os sentidos como nunca havia sucedido anteriormente.
Os mesmos textos que o salvaram da loucura, mais do que o exército russo, consumiam-lhe, em vingança, agora tudo. Penso que nunca o compreendi totalmente. A maior parte dos que o podiam compreender tinham morrido há muito, num local onde também ele estava destinado a morrer.
O sentimento de culpa irracional por ter sobrevivido sempre o perseguiu. Não lhe davam descanso, as cumplicidades e os acasos felizes desta sobrevivência e pesavam-lhe o rosto e o passo. Nos últimos dias, estas recordações injustas pareciam encurralá-lo de medo.
Encontrei-o caído nas escadas, dizem que se matou, rezo para que não tenha sido assim, seria a pior das coisas.
Trecho da minha entrevista a Lúcia Levi

Gorgotranda Duduli


As minhas sinapses estão muito desadequadas. Estão próximas da dissolução. O meu entendimento resistirá? Ou virá aquela loucura lenta, larva gorda que ameaça comer a couve do entendimento, única flor da horta da existência?



O beijo da loucura, Gorgotranda Duduli

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Um dia de sol

A delicadeza dos dias corre suada em calda pelos dias de sol. Ao mexer-me para agarrar o copo gelado as axilas inundam-se. Bebo a limonada e encosto-me para trás. Só luz como água escorre por mim. Suor luz e limonada. Estou felizmente com o meu amor, que anda pela casa de quarto em quarto a arrumar. Estufei um bocado de cabrito com ervilhas presunto e cebolas. Cheira pela casa toda. O meu bebé acordou soltando alguma bem-vinda gritaria. É a hora dele sorver dos seios da mãe a pescada com tomates e coentros que eu fiz ontem ao jantar. E mais o polvo e arroz do almoço. Levanto-me e saio da beira do sol e vou pelo corredor para o quarto onde mama o meu bebé. E lá estão os dois , mãe e filho. Dou um beijo a cada um e volto para o sol. Está um dia lindo e olho para a cidade do outro lado do rio. Ás vezes quando me encharco de sol tenho a certeza que por não pensar muito, existo melhor.

Ao poente começamos a comer aproveitando o dormitar da cria. Beijo depois de jantar. De língua para limpar resquícios de doce. Cedo virá a noite fresca e a lua. E aqui paro o texto porque o quero solar.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Chá das quatro

Pouco a pouco fora desistindo de muitas coisas que antes fazia.
Deixara de ir fazer compras ao centro da cidade. Os transportes públicos sempre cheios de pessoas de rostos fechados e impacientes e jovens desrespeitosos pareciam-lhe muito pouco seguros. Tivera sorte naquela última vez em que caíra por aquela senhora a ter ajudado. Ajudara-a a levantar-se e acompanhara-a a casa.Via-se que era uma senhora com educação. Depois com a atrapalhação não guardara dela nenhum dado, nem o nome, e não lhe pudera agradecer.
Só tivera uma entorse, mas ficara sempre mais fraca daquela perna.
Dependia mais do telefone. Da mercearia traziam-lhe o que encomendava. Não tão bem escolhido, é verdade, mas não podia ser exigente.
O que ainda continuava a manter, era o lanche de sábado com as suas velhas amigas.
Antes eram cinco, mas a Mimi tivera um ataque que a deixara para sempre de cama, até se ir de vez, há dois anos.
Fora visitá-la algumas vezes. Tinha um olhar parado e não parecia estar ali. Do lado esquerdo da boca, mal fechada, saía-lhe um fio de saliva que a filha de vez em quando limpava, enquanto comentava: "hoje ela está melhor e ficou contente por a ver". Não sabia se o dizia por si ou por ela própria. No dia do funeral parecia sobretudo cansada e com os pesâmes quase todos lhe diziam "agora a mãezinha descansou finalmente, não sofre mais". Descansaram a mãe e a filha. Depois de dois anos assim e logo a Mimi que era tão animada.
Tinham ficado as quatro, mas nem sempre vinham todas ao lanche. Chegavam pelas dezasseis, com passos curtos e fatos finos, como já não se fazem. Sentavam-se na mesa do canto à janela. A sua mesa. Se estava ocupada escolhiam a mesa mais próxima, aborrecidas com aquela contrariedade até a esquecerem com a conversa. Ocupavam os lugares pela mesma ordem, deixando vagas as cadeiras das que faltavam. Pediam chá, escolhiam bolos, punham a conversa em dia e criticavam os novos tempos. Naquelas horas voltavam a ser elas, já não senhoras idosas, mas as raparigas da mesma idade, na segurança do que conheciam umas das outras, mais confiantes numa ordem do mundo.
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Scrabble, Julho de 2007
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Scrabble, começou a publicar textos num blog em Julho de 2006. A sua identidade é desconhecida, crê-se que para ele próprio.

terça-feira, 22 de julho de 2008

Ferdinando Silvestre



Deves dizer-lhe que ela sabe a atum depois de ela te dizer tens cá uma lata.
Se gostares mesmo dela compara-a com um prato qualquer tipo lagosta ou trufa (1).
As mulheres têm preconceitos estéticos em relação á comida por isso não lhe chames rojãozinho ou filete. Evita o porco e as suas analogias, soa inconveniente ao sexo fendido. Acima de tudo lembra-te que a maioria das mulheres só querem amor, atenção e nabo picante. É minha contenção que as mulheres evitam o confronto por isso segue-lhes o exemplo, tenta convencer quando te convencem e tudo ficará bem.


(1) Mulheres de pendor alternativo gostam de analogias com tofu

Amor eterno, Ferdinando Silvestre


Não conheço mais nada da obra de Silvestre a não ser este opúsculo sobre a sedução e o entendimento entre géneros. Teve uma edição de autor há uns anos.

domingo, 20 de julho de 2008

" Tardes do Tiço`s"


" Mãos sujas" carregando o peso da existência, da liberdade não desejada...
A angústia que corroía o âmago até ao limite.
Presos na densidade dos ideais que os consumiam, dos sentimentos que os sufocavam...
E o vazio... o vazio ameno das tardes, das odes ao Ian Curtis, do fumo dos charros, dos acordes da "all my colours"... a ânsia de não ser.
Procuravam a identidade na melancolia do outro, espelhavam-se na sua relutância em viver...


Maria

sexta-feira, 18 de julho de 2008

terça-feira, 15 de julho de 2008

Prédica de domingo por Alice Strudel


Prédica de Domingo

Não acreditais, ó crentes, nos benefícios da comida aquecida?
Não acreditais vós na cozinha lenta?
Sois porventura glutões da carne picada?
Gostais do ar?
Gostais do pranto microbiológico dos centros comerciais,
E do sussurro dos carros nos parques,
Depois de excitado o tímpano
No rastreio em stereo dos multiplex.


Gostais porventura do zurzir surdo
Da arrazoada dos sítios sem alma
Onde vacilamos como crianças inocentes
Sem dó nem alma.
Será essa a vossa terra da fartura
Ao domingo?

Alice Strudel


Nota de alien taco: Acho a poesia de Strudel tão estimulante como as alocuções do Padre Borga. No entanto, não pude deixar de postar este poema. Talvez por anteontem ter sido domingo. A obra não tem edição portuguesa e não consegui arranjar tradução para multiplex e stereo no poema. O porquê de eu traduzir Alice Strudel é um mistério até para mim próprio. O título em inglês do livro é Porcupine Blues.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Darcy Grey Feather


Um dia com reserva de amor


Una música de voz rouca
Na toca da quente amada
Cheiro da mata louca
Bem cavalgada bem chegada

Delírio herbal
Na casa do suor
Sórdido tribal
+Tolo de amor

Depois há noite borracheira
Seguida de cacto amargo
E suco duma amoreira
Para tirar o travo

Darcy Grey Feather, Flores ossudas


Este poema foi lido pela primeira vez num pow-wow. Foi na reserva apache da montanha branca durante um beberete ao qual Darcy chegou já um bocado tocado com tsiwin. Este livro Flores ossudas foi publicado pela Vértice Hormonal.

sábado, 5 de julho de 2008

Elvino Sacripanta


Não existe em Portugal aristocrata mais séria do que Mena Mónica. Também conhecida como A mulher que comeu Eça. Há mais Eça nos seus tornozelos e joelhos que nos livros do próprio. Dentro do tutano das suas deliciosas tíbias há toda a Sociologia. Mais acima nas coxas há só chicha , e ao chegar ao solilóquio vestal encontra-se Cesário Verde envolto em floresta ainda viçosa. Não vou mais acima para não despertar Camões nos Montes Hermínios que Mena transporta como troféus duma juventude táctil. VIVA MENA! Tudo o que ela diz enche o povo de exaltação!




Elvino Sacripanta, Viva Mena!



Elvino Sacripanta distinguiu-se com mérito no lançamento do dardo na década de oitenta. Desligado do atletismo dedica-se á ficção lançando Eu tu e um rodízio e o clássico A gaja das gravatas. Recentemente lançou a biografia não autorizada VIVA MENA! Tudo editado pelas Edições Anafadas.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Serviliana Dobler-Pyiu


A casa estava pintada de azul-cobalto por fora. Por dentro era rosa-quartzo e madeira petrificada. Dois anões de cabeças enormes e orelhas bicudas cozinhavam numa mesa onde luzia um fogão de campismo num cromado que cegava. Os três gatos comportavam-se como lémures. Os anões cirandavam enquanto coziam ovos e gemiam baixinho enquanto evitavam olhar-se. Os gatos cada vez mais se comportavam como lémures. Os anões enfeitaram-se para o jantar e cada um comeu o seu ovo cozido. Depois foram dormir. Quando adormeceram, os gatos deixaram de se comportar como lémures. No entanto os ovos dentro dos ventres dos anões portaram-se como ovos. Devido a isto os anões engravidaram.
Na manhã seguinte deram à luz dois lémures, que desataram a miar. Tendo os anões morrido no parto, a casa ficou com um grupo de lémures que imitavam gatos e um de gatos que se julgavam lémures. Quando os dois se encontraram geraram uma Entidade que era parte lémure parte gato, mas com personalidade de anão. Esse novo ser acabou com todos os outros. Ás vezes na solidão do quartzo-rosa a Entidade conversava com o butagaz cromado e dizia-lhe: Não os suportava, eram pouco parecidos comigo.
Serviliana Dobler-Pyiu, A gestação do absurdo

Serviliana Dobler-Pyiu surpreendeu o micro–mundo das artes literárias com O fiador de filamentos em 1992. Neste micro texto extraído duma das suas obras A gestação do absurdo, as palavras rodam como se fossem uma aranha já bebida a deslindar um cubo de Rubik. Ambas as obras foram publicadas pela Guano Conceptual.

Jantar

E só mais um detalhe... Quem não concordar com a escolha do restaurante é favor endereçar os protestos ao Leonardo. Eu só servi de pombo correio...!

Flávia

Jantar de encerramento do atelier

Já está marcado o jantar que assinala o fim do presente atelier de escrita. Realizar-se -á no restaurante "O Cometa", junto à igreja de S. João Novo. Na próxima quarta feira passaremos a folha de inscrições.
Flávia

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Gomercindo Tácito


O galho impante
O bico crocante
Réstias foleiras
De conas traseiras

Tudo é pecado
Até a chibata
Que dói na beata

São os da pepita
Garimpeiros do rei
Que nunca os visita

Viva a pita!
Viva a pita!

Gomercindo Tácito, Cosmética Vulvar


A obra de Gomercindo Tácito foi descrita pelas perto de oito pessoas que a leram como a expressão mais ordinária e vulgar do marialvismo. Sobre ele disse Alice Strudel “não encontro nada de belo ou de voluptuoso nas palavras de Gomercindo Tácito; é um autor pornográfico e que tenta sem o conseguir untar as partes femininas” ao que Gomercindo lhe terá respondido por carta e citamos: “o facto de a senhora achar os meus escritos vulgares enche-me de gaúdio desejo-lhe a melhor sorte nas sua lutas pelo bem estar dos vegetais . Que um pepino guie a sua mão até á sua gruta antes que fossilize ou comece a criar grelos, sua maluca". Dois poemas de G. Tácito figuram na colectânea de António Fangoria Gancho O hospício dos felizardos. A obra supra citada Cosmética Vulvar é uma edição de autor com cerca de dez anos.