segunda-feira, 24 de novembro de 2008

A Ilha dos corações partidos III

A maré começou a vazar retirando o manto marinho ao homem no cimo da rocha. O zarolho ziguezagueou fausto de exausto e os locais apressaram-se a trazê-lo para a caverna. Era um grande buraco na rocha na linha da praia com a selva que lhes dava abrigo. Trouxeram-no para cima de uma fogueira e deram-lhe porco com ananás numa folha de árvore. Depois do repasto houve muita galhofa e até algum despudor quando os locais, numa brincadeira de crianças grandes, tentavam acertar sucessivamente com puré de raízes no buraco onde havia habitado o olho do zarolho. No fim o visitante e o que parecia ser o líder da comunidade, um velhote, deslocaram-se para aliviarem a tripa e segundo o velho para fortalecer a terra das ilhas.
- Cagamos sempre aqui. Cada um tem a sua área e assim ajuda-se o lustroso solo. O zarolho acenou. Depois voltaram. Na caverna já todos tinham adormecido, mas o zarolho e o velho continuaram a conversar.
- As portas para o lado de lá fecharam-se. Não há mais ninguém. – Confessou o homem ao velho sem ponta de emoção.
- Bem, então precisas de um sítio para te instalares. Escolhe um pedaço da caverna e depois veremos para que tens jeito.
- Não pretendo ficar. Quero seguir pela selva até ao Pico dos Três Vértices e encontrar as mulheres do Milho Estoirado.
- As mulheres do alto não gostam de companhia – Retorquiu o velho.
- Nem eu. Procuro só uma delas. Sonhei com ela quando estava no outro lado. Tem uma carinha linda e olhos grandes e azuis. Além disso pula e dança. Eu chamo-lhe Cintilante Luz Que Brilha Sem Cessar Na Única Pupila do Meu Olhar.
- É um nome um bocado grande – Disse o velho, jocoso.
- É uma grande mulher – Retorquiu o zarolho.
- E se ela não sonhou contigo? – Perguntou o velho.
- Bem, nesse caso volto para junto de vocês e mais dia, menos dia quando a maré estiver cheia deito-me na rocha em vez de me sentar.
A fogueira estava a apagar-se e o ancião levou o visitante a um recanto de pedra e convidou-o a repousar. O zarolho fechou o olho e adormeceu. O velhote esgueirou-se para o seu canto da caverna e fez vibrar uma rabeca enquanto entoava uma frase vezes sem conta.

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