quarta-feira, 22 de abril de 2009

Variação onírico-automática sobre o romance No Silêncio de Deus de Patrícia Reis



E então à tardinha fui parar a uma coffeeshop perto da Leidseplein e fiquei lá a beber um Chocomel. Grandes nuvens de fumo saíam de todos os lados. Pequenas fábricas de eternidade passavam os vulcões pulmonares e projectavam-se no vazio da sala fechada pelo tecto. Pedi uma abrótea com maionese de toranja. As pessoas que não conversavam faziam puzzles ou liam o jornal. Fui ao balcão e a meio a abrótea fugiu pela porta fora. Quando voltei estava sentada na mesa a escritora Patrícia Reis com uma ampulheta na mão. Tinha uma cara linda e podia sem custo fumar á chuva. Lá fora o duro padrão do céu augurava uma crucificação à Gauguin. Num pé a escritora tinha um soco holandês e no outro uma sandália árabe. Estava acompanhada por um cogumelo e um homem mais velho: Boa noite, sou o senhor Ayahuasca- apresentou-se ele. Foram vocês que assustaram a abrótea. – Não, respondeu ela com a elegância egoísta das beldades. Resolvemos ocupar a mesa antes que a maionese fugisse concluiu a escritora.

Todo o cenário desaparece e fico sozinho com Patrícia Reis. Entro em automático.

No livro tudo me faz lembrar a sequência da plantação francesa no Apocalipse Now. Os personagens parecem fantasmas ou zombies ou golems. A prostituta não está calibrada á medida do escritor. A jornalista, que teima em não sarar migra como um pequeno almoço de mesa em mesa como uma alma danada num banquete de bruxas. O romance tem um alvo específico, mas na sua construção age como um sniper oportunista. A maravilha do mundo são as pequenas confusões, as enguias eléctricas e aleatórias da natureza humana. A abrotea e a maionese de toranja são um acto falhado relativo ao efeito madeleine de Proust, o rateiro.

Patrícia Reis dá uma risada e responde - desculpe mas o meu nome é Cirano de Bergerac.

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